CONFIRA O DOCUMENTO OFICIAL AQUI
A Organização Brasileira de Doença de Crohn e Colite (GEDIIB) emite parecer
favorável a incorporação da Calprotectina Fecal no monitoramento de pacientes com
Doença de Crohn.
As doenças inflamatórias intestinais (DII) representadas principalmente pela
retocolite ulcerativa (RCU) e doença de Crohn (DC), são doenças inflamatórias
crônicas, que se originam da interação da microbiota intestinal, resposta imune
exacerbada e fatores ambientais, em indivíduos geneticamente predispostos.
A cicatrização da mucosa em resposta à terapêutica é a meta a ser alcançada na
DC e na RCU. Pacientes com mucosa intestinal cicatrizada apresentam menores
taxas de recidivas clínicas, hospitalizações e necessidade de cirurgia. Porém, a
realização de exame endoscópico de maneira repetida, para monitorização da
atividade inflamatória intestinal, é uma estratégia invasiva, de custo elevado, baixa
aceitação por parte dos pacientes e de baixa disponibilidade no SUS. Assim, a
correta abordagem terapêutica das DII visando à cicatrização de mucosa com
melhora do prognóstico da doença, requer reavaliações efetivas, objetivas e
regulares, devendo basear-se na repetição frequente de avaliação clínica e
laboratorial, sendo a avaliação radiológica e endoscópica realizadas em intervalos
maiores de tempo.
Avaliação clínica
A avaliação clínica é essencial e deve ser realizada a cada consulta, porém os
sinais e sintomas observados nem sempre retratam a presença e o grau da
atividade inflamatória intestinal. Impressões subjetivas podem corresponder a 40%
do valor final de escores clínicos, como o Índice de Atividade da Doença de Crohn
(IADC) e outros escores para DC e RCU, portanto, apresentar baixa correlação
com os escores endoscópicos. Dessa forma, a avaliação clínica realizada de
maneira isolada, é insuficiente para o acompanhamento dos pacientes com DII,
possibilitando o surgimento de complicações.
Avaliação laboratorial
Proteína C reativa (PCR)
A dosagem sérica da proteína C reativa (PCR) é um marcador de
atividade inflamatória, infecção e dano tecidual, produzida quase na
sua totalidade pelo fígado por estimulação da interleucina-6. A PCR
tem meia vida curta e é útil na avaliação seriada de processos
inflamatórios e infecciosos. Além disso, é amplamente disponível, por
ser um teste sanguíneo facilmente realizado. No entanto, é pouco
específica, não sendo exclusiva do intestino, podendo elevar-se em
qualquer processo inflamatório e infeccioso que não a inflamação
intestinal que ocorre nas DII. Além disso, aproximadamente 15% da
população não apresenta elevação desta proteína, mesmo em um
quadro inflamatório vigente.
Calprotectina Fecal
A calprotectina é uma proteína presente em células inflamatórias e sua presença
nas fezes indica a existência de um processo inflamatório no intestino. Embora
valores elevados de calprotectina fecal (fCal) não sejam exclusivos da DII, visto
que ela pode se alterar em outros processos inflamatórios e infeccioso intestinais,
é o biomarcador com melhor correlação com a atividade inflamatória na DII, além
de ter maior capacidade de diferenciação entre atividade leve e moderada a grave.
Por ser um exame não invasivo, de fácil execução e que utiliza metodologia
conhecida na medicina laboratorial, com valores de corte já estabelecidos e que
indicam atividade ou remissão, boa correlação com exames endoscópicos,
permitindo adequar o tratamento com objetivo de melhor evolução a longo prazo.
A fCal é um marcador mais específico para detectar a inflamação intestinal,
possibilitando aumentar o intervalo de exames endoscópicos e radiológicos e até
mesmo evitar a realização desses exames. Isso leva a redução de custos.
Ademais, a fCal tem boa correlação com a cicatrização histológica e essa, por sua
vez, prediz melhor evolução a longo prazo, como menor taxa de hospitalização,
cirurgias e complicações relacionadas à DII.
Acrescido a isso, existem estudos comprovando a eficácia da fCal para detectar
atividade e remissão da doença de Crohn em nosso meio, com proposição de
valores de corte que permitem a tomada de decisão e, nessas situações, evitar a
realização de exames endoscópicos.
Assim, a PCR e a fCal são, na verdade, métodos complementares, que permitem
o melhor manejo dos pacientes com DII, através da avaliação da atividade
inflamatória, possibilitando adequação do tratamento sempre que necessário,
objetivando o alcance da meta terapêutica de cicatrização da mucosa intestinal.
O consenso do GEDIIB recomenda o uso da fCal na doença de doença de Crohn,
tanto para definir escalonamento e descalonamento do tratamento, bem como
detectar precocemente atividade de doença.
O STRIDE II, importante publicação que reúne as principais recomendações do
manejo de pacientes com DII, propõe que a fCal seja mensurada durante o
tratamento, e sua normalização é um objetivo intermediário a ser alcançado tanto
na Doença de Crohn quanto na RCU.
Por fim, sabe-se que os pacientes com queda e normalização da fCal
durante o tratamento tem maior probabilidade de atingirem a
cicatrização da mucosa, que é um dos objetivos do tratamento.
Dessa forma, a sua realização de maneira periódica (propõe-se a
cada 3 meses enquanto em atividade de doença e a cada 6 meses
após atingida a remissão e normalização desse marcador) pode levar
a redução da necessidade de repetição de exames invasivos, como
a colonoscopia.
Reforçamos:
1) a calprotectina fecal e a PCR não são excludentes e sim
complementares;
2) a PCR não é específica da inflamação intestinal, diferente da fCal.
PCR pode estar elevado por outras condições inflamatórias ou
infecciosa sistêmicas, não relacionadas à DII;
3) a fCal tem maior capacidade de distinguir os diferentes graus de
inflamação intestinal que a PCR;
4) a PCR não se eleva em até 15% da população;
Dessa forma, a incorporação da calprotectina fecal como ferramenta diagnóstica e
de monitorização nas DII e poderá contribuir para redução na necessidade de
realização de exames invasivos e caros, como a colonoscopia, facilitar o
diagnóstico precoce, bem como a monitorização do tratamento, com melhoria dos
desfechos a longo prazo. Isso tudo pode ser obtido através de um exame não
invasivo, de metodologia simples, replicável, responsivo, amplamente distribuído,
ou seja, que preenche a quase totalidade dos requisitos de um bom biomarcador.
REFERÊNCIAS
- Monteleone G, Caruso R, Pallone F. Targets for new
immunomodulation strategies in inflammatory bowel disease.
Autoimmun Rev. 2014 Jan;13(1):11-4. - Lamb CA, Kennedy NA, Raine T, Hendy PA, Smith PJ, Limdi JK, et
al. British Society of Gastroenterology consensus guidelines on the
management of inflammatory bowel disease. - Turner D, Ricciuto A, Lewis A, D’Amico F, Dhaliwal J, Griffiths AM, et
al. STRIDE-II: An Update on the Selecting Therapeutic Targets in
Inflammatory Bowel Disease (STRIDE) Initiative of the International
Organization for the Study of IBD (IOIBD): Determining Therapeutic
Goals for Treat-to-Target strategies in IBD. Gastroenterology.
2021;160:1570-83. - De Cruz P, Kamm MA, Hamilton AL, Ritchie KJ, Krejany EO, Gorelik
A, et al. Crohn’s disease management after intestinal resection: a
randomised trial. Lancet (London, England). 2015;385:1406-17. - Bonnaud G, Bouhnik Y, Hagege H, Hebuterne X, Pariente B, Roblin
X, et al. Monitoring of inflammatory bowel disease in 2019: A French
consensus for clinical practice. Dig Liver Dis. 2020;52:704-20. - Lamb CA, Kennedy NA, Raine T, Hendy PA, Smith PJ, Limdi JK, et
al. British Society of Gastroenterology consensus guidelines on the
management of inflam matory bowel disease in adults. Gut. 2019;68
(Suppl 3):s1-106. - Rokkas T, Portincasa P, Koutroubakis IE. Fecal calprotectin in
assessing inflam matory bowel disease endoscopic activity: a
diagnostic accuracy meta-analysis. J Gastrointestin Liver Dis.
2018;27:299-306 - Wang M, Shi J, Yu C, et al. Emerging strategy towards mucosal
healing in inflammatory bowel disease: what the future holds? Front
Immunol. 2023 Dec 14;14:1298186. - Sandborn WJ, Hanauer S, Van Assche G, et al. Treating beyond
symptoms with a view to improving patient outcomes in inflammatory
bowel diseases. J Crohns Colitis. 2014 Sep;8(9):927-35. - Sandborn WJ, Panés J, Zhang H, Yu D, Niezychowski W, Su C.
Correlation Between Concentrations of Fecal Calprotectin and
Outcomes of Patients With Ulcerative Colitis in a Phase 2 Trial.
Gastroenterology. 2016 Jan;150(1):96-102. - Colombel JF, Panaccione R, Bossuyt P, et al. Effect of tight control
management on Crohn’s disease (CALM): a multicentre, randomised,
controlled phase 3 trial. Lancet. 2017 Dec 23;390(10114):2779-2789.
doi: 10.1016/S0140-6736(17)32641-7. Epub 2017 Oct 31. Erratum in:
Lancet. 2018 Dec 23;390(10114):2768. - Schoepfer AM, Beglinger C, Straumann A, Safroneeva E, Romero Y,
Armstrong D, Schmidt C, Trummler M, Pittet V, Vavricka SR. Fecal
calprotectin more accurately reflects endoscopic activity of ulcerative
colitis than the Lichtiger Index, C-reactive protein, platelets,
hemoglobin, and blood leukocytes. Inflamm Bowel Dis. 2013
Feb;19(2):332-41. doi: 10.1097/MIB.0b013e3182810066. PMID:
23328771. - Asiri AS, Algarni SS, Althubaiti AQ, Alzubaidi MA, Alghamdi JA,
Almalki GA. Fecal Calprotectin and Organic Gastrointestinal Disease:
A Systematic Review. Cureus. 2023 Sep 11;15(9):e45019. doi:
10.7759/cureus.45019. PMID: 37829963; PMCID: PMC10565882. - Turvill J, Turnock D. Audit of the impact of the York faecal calprotectin
care pathway on colonoscopy activity. Frontline Gastroenterol. 2019
Oct 24;11(4):285-289. - Moein S, Qujeq D, Vaghari Tabari M, et al. Diagnostic accuracy of
fecal calprotectin in assessing the severity of inflammatory bowel
disease: From laboratory to clinic. Caspian J Intern Med. 2017
Summer;8(3):178-182. - Wright EK, Kamm MA, De Cruz P, et al. Comparison of Fecal
Inflammatory Markers in Crohn’s Disease. Inflamm Bowel Dis. 2016
May;22(5):1086-94. doi: 10.1097/MIB.0000000000000671. PMID:
26818420. - Patel A, Panchal H, Dubinsky MC. Fecal Calprotectin Levels Predict
Histological Healing in Ulcerative Colitis. Inflamm Bowel Dis. 2017
Sep;23(9):1600-1604. - Imbrizi M, Baima JP, Azevedo MFC, et AL. SECOND BRAZILIAN
CONSENSUS ON THE MANAGEMENT OF CROHN’S DISEASE IN
1ADULTS: A CONSENSUS OF THE BRAZILIAN ORGANIZATION
FOR CROHN’S DISEASE AND COLITIS (GEDIIB). Arq
Gastroenterol. 2023 Mar 24;59(suppl 1):20-50. - Baima JP, Imbrizi M, Andrade AR, ET AL. SECOND BRAZILIAN
CONSENSUS ON THE MANAGEMENT OF ULCERATIVE COLITIS
IN ADULTS: A CONSENSUS OF THE BRAZILIAN ORGANIZATION
FOR CROHN’S DISEASE AND COLITIS (GEDIIB). Arq
Gastroenterol. 2023 Mar 24;59(suppl 1):51-84. Copy - Ananthakrishnan AN; Adler J; Chachu KA; Nguyen NH; Siddique SM;
Weiss JM; Sultan S; Velayos FS; Cohen BL; Singh S. AGA Clinical
Practice Guideline on the Role of Biomarkers for the Management of
Crohn’s Disease. Gastroenterology. 2023 Dec;165(6):1367-1399. - Penna FGC, Rosa RM, Cunha PFS; Souza SCS; Ferrari MLA Faecal
calprotectin is the biomarker that best distinguishes remission from
different degrees of endoscopic activity in Crohn’s disease.. BMC
Gastroenterol . 2020 Feb 13;20(1):35. doi: 10.1186/s12876-020-
1183-x. - Penna FGC, Rosa RM, Cunha PFS; Pereira FH; Souza SCS; ; Ferrari
TCA; Cara C; Ferrari MLA. Combined evaluation of fecal calprotectin
and C-reactive protein as a therapeutic target in the management of
patients with Crohn’s disease. Gastroenterol Hepatol. 2021
Feb;44(2):87-95. doi: 10.1016/j.gastrohep.2020.04.015. Epub 2020
Jul 15. - Vieira A; Fang CB; Rolim EG; Klug WA; Steinwurz F; Rossini LGB;
Candelária PA. Inflammatory bowel disease activity assessed by fecal
calprotectin and lactoferrin: correlation with laboratory parameters,
clinical, endoscopic and histological indexes. BMC Res Notes 2009 Oct
29:2:221.doi: 10.1186/1756-0500-2-221.
Cristina Flores – Presidente do GEDIIB
Comissão de Medicamentos e Acesso do GEDIIB
Adalberta Lima Martins
Francisco Guilherme Cancela e Penna
Licia Maria Fernandes Rodrigues
Munique Kurtz de Mello
Natália Souza Freitas Queiroz
Renata de Sá Brito Fróes
Stefania Burjack Gabriel Campbell