Parecer GEDIIB: Consulta Pública 64/2023 – Calprotectina Fecal no Monitoramento de Pacientes com Doença de Crohn

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A Organização Brasileira de Doença de Crohn e Colite (GEDIIB) emite parecer
favorável a incorporação da Calprotectina Fecal no monitoramento de pacientes com
Doença de Crohn.

As doenças inflamatórias intestinais (DII) representadas principalmente pela
retocolite ulcerativa (RCU) e doença de Crohn (DC), são doenças inflamatórias
crônicas, que se originam da interação da microbiota intestinal, resposta imune
exacerbada e fatores ambientais, em indivíduos geneticamente predispostos.
A cicatrização da mucosa em resposta à terapêutica é a meta a ser alcançada na
DC e na RCU. Pacientes com mucosa intestinal cicatrizada apresentam menores
taxas de recidivas clínicas, hospitalizações e necessidade de cirurgia. Porém, a
realização de exame endoscópico de maneira repetida, para monitorização da
atividade inflamatória intestinal, é uma estratégia invasiva, de custo elevado, baixa
aceitação por parte dos pacientes e de baixa disponibilidade no SUS. Assim, a
correta abordagem terapêutica das DII visando à cicatrização de mucosa com
melhora do prognóstico da doença, requer reavaliações efetivas, objetivas e
regulares, devendo basear-se na repetição frequente de avaliação clínica e
laboratorial, sendo a avaliação radiológica e endoscópica realizadas em intervalos
maiores de tempo.

Avaliação clínica
A avaliação clínica é essencial e deve ser realizada a cada consulta, porém os
sinais e sintomas observados nem sempre retratam a presença e o grau da
atividade inflamatória intestinal. Impressões subjetivas podem corresponder a 40%
do valor final de escores clínicos, como o Índice de Atividade da Doença de Crohn
(IADC) e outros escores para DC e RCU, portanto, apresentar baixa correlação
com os escores endoscópicos. Dessa forma, a avaliação clínica realizada de
maneira isolada, é insuficiente para o acompanhamento dos pacientes com DII,
possibilitando o surgimento de complicações.
Avaliação laboratorial
Proteína C reativa (PCR)
A dosagem sérica da proteína C reativa (PCR) é um marcador de
atividade inflamatória, infecção e dano tecidual, produzida quase na
sua totalidade pelo fígado por estimulação da interleucina-6. A PCR
tem meia vida curta e é útil na avaliação seriada de processos
inflamatórios e infecciosos. Além disso, é amplamente disponível, por
ser um teste sanguíneo facilmente realizado. No entanto, é pouco
específica, não sendo exclusiva do intestino, podendo elevar-se em
qualquer processo inflamatório e infeccioso que não a inflamação
intestinal que ocorre nas DII. Além disso, aproximadamente 15% da
população não apresenta elevação desta proteína, mesmo em um
quadro inflamatório vigente.

Calprotectina Fecal
A calprotectina é uma proteína presente em células inflamatórias e sua presença
nas fezes indica a existência de um processo inflamatório no intestino. Embora
valores elevados de calprotectina fecal (fCal) não sejam exclusivos da DII, visto
que ela pode se alterar em outros processos inflamatórios e infeccioso intestinais,
é o biomarcador com melhor correlação com a atividade inflamatória na DII, além
de ter maior capacidade de diferenciação entre atividade leve e moderada a grave.
Por ser um exame não invasivo, de fácil execução e que utiliza metodologia
conhecida na medicina laboratorial, com valores de corte já estabelecidos e que
indicam atividade ou remissão, boa correlação com exames endoscópicos,
permitindo adequar o tratamento com objetivo de melhor evolução a longo prazo.
A fCal é um marcador mais específico para detectar a inflamação intestinal,
possibilitando aumentar o intervalo de exames endoscópicos e radiológicos e até
mesmo evitar a realização desses exames. Isso leva a redução de custos.
Ademais, a fCal tem boa correlação com a cicatrização histológica e essa, por sua
vez, prediz melhor evolução a longo prazo, como menor taxa de hospitalização,
cirurgias e complicações relacionadas à DII.
Acrescido a isso, existem estudos comprovando a eficácia da fCal para detectar
atividade e remissão da doença de Crohn em nosso meio, com proposição de
valores de corte que permitem a tomada de decisão e, nessas situações, evitar a
realização de exames endoscópicos.
Assim, a PCR e a fCal são, na verdade, métodos complementares, que permitem
o melhor manejo dos pacientes com DII, através da avaliação da atividade
inflamatória, possibilitando adequação do tratamento sempre que necessário,
objetivando o alcance da meta terapêutica de cicatrização da mucosa intestinal.
O consenso do GEDIIB recomenda o uso da fCal na doença de doença de Crohn,
tanto para definir escalonamento e descalonamento do tratamento, bem como
detectar precocemente atividade de doença.
O STRIDE II, importante publicação que reúne as principais recomendações do
manejo de pacientes com DII, propõe que a fCal seja mensurada durante o
tratamento, e sua normalização é um objetivo intermediário a ser alcançado tanto
na Doença de Crohn quanto na RCU.
Por fim, sabe-se que os pacientes com queda e normalização da fCal
durante o tratamento tem maior probabilidade de atingirem a
cicatrização da mucosa, que é um dos objetivos do tratamento.
Dessa forma, a sua realização de maneira periódica (propõe-se a
cada 3 meses enquanto em atividade de doença e a cada 6 meses
após atingida a remissão e normalização desse marcador) pode levar
a redução da necessidade de repetição de exames invasivos, como
a colonoscopia.
Reforçamos:

1) a calprotectina fecal e a PCR não são excludentes e sim
complementares;
2) a PCR não é específica da inflamação intestinal, diferente da fCal.
PCR pode estar elevado por outras condições inflamatórias ou
infecciosa sistêmicas, não relacionadas à DII;
3) a fCal tem maior capacidade de distinguir os diferentes graus de
inflamação intestinal que a PCR;
4) a PCR não se eleva em até 15% da população;

Dessa forma, a incorporação da calprotectina fecal como ferramenta diagnóstica e
de monitorização nas DII e poderá contribuir para redução na necessidade de
realização de exames invasivos e caros, como a colonoscopia, facilitar o
diagnóstico precoce, bem como a monitorização do tratamento, com melhoria dos
desfechos a longo prazo. Isso tudo pode ser obtido através de um exame não
invasivo, de metodologia simples, replicável, responsivo, amplamente distribuído,
ou seja, que preenche a quase totalidade dos requisitos de um bom biomarcador.

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Cristina Flores – Presidente do GEDIIB
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