Confira o posicionamento do GEDIIB frente à consulta pública para inclusão do citrato de tofacitinibe para o tratamento da retocolite ulcerativa moderada a grave

Posicionamento do GEDIIB frente à consulta pública para inclusão do citrato de tofacitinibe para o tratamento da retocolite ulcerativa moderada a grave em pacientes adultos com resposta inadequada, perda de resposta ou intolerantes ao tratamento prévio com medicamentos sintéticos

Em 31 de dezembro de 2019, a CONITEC abriu consulta pública para a inclusão do citrato de tofacitinibe (TOFA) para o tratamento da retocolite ulcertaiva (RCU) moderada a grave refratária ao tratamento convencional. A recomendação preliminar é de que tal medicamento não deva ser incluído entre as opções terapêuticas para RCU no SUS. No entanto, nos próximos 20 dias, a comunidade científica poderá se manifestar acerca desta decisão, podendo contribuir de forma ativa com o relatório final que será incorporado ao PCDT de RCU.

O TOFA já apresenta aprovação na ANVISA para esta indicação desde março/2019 (1) e está incorporado nos algoritmos de tratamento da RCU nacionais e internacionais (2,3). Desde a consulta pública para atualização do PCDT de RCU, esta sociedade já havia se manifestado a favor da incorporação desta medicação. Resumimos abaixo algumas das evidências que reafirmam a eficácia e segurança da droga, bem como vantagens de sua utilização, como a posologia oral e ausência de imunogenicidade.

Tofacitinibe (CP-690,550) é uma pequena molécula para uso oral cujo peso molecular 312.3 Da. A inibição da JAK1, JAK3, e, em menor grau, JAK2 (4-6)resulta no bloqueio da sinalização de diversas citocinas, incluindo interleucina (IL)IL-2, IL-4, IL-6, IL-7, IL-9, IL-15, IL-21 e  interferon-gama, entre outros (4-6). Estas citocinas estão diretamente envolvidas na patogênese da doença inflamatória intestinal exercendo suas funções na sinalização de diferentes vias inflamatórias incluindo ativação e proliferação linfocitária (4-7).

Os resultados favoráveis iniciais ao TOFA em estudo clínico multicêntrico randomizado na RCU permitiram a consolidação de um programa de fase III (OCTAVE) em pacientes com RCU moderadamente ou gravemente ativa (8,9). No estudo de indução OCTAVE 1 (n=476 no grupo TOFA; n=122 no grupo placebo) a remissão clínica na semana 8 (definida como escore de Mayo ≤2, sem nenhum subscore >1 e um escore de sangramento retal de 0) foi 18.5% no grupo TOFA (10 mg via oral, duas vezes ao dia) versus 8.2% no grupo placebo (P=0.007). No estudo de indução OCTAVE 2 de metodologia similar, a remissão clínica na semana 8 foi observada em 16.6% no grupo TOFA versus 3.6% no grupo placebo (P<0.001) (9). Um observação interessante é a de que em ambos os estudos os efeitos do tratamento foram similares entre aqueles que receberam ou não tratamento prévio com antagonistas do TNF (9). Além disso, TOFA demonstrou ser uma droga com rápido início de ação, já promovendo uma melhora significativa dos sintomas a partir do terceiro dia de uso, conforme demontrado em análise post-hoc dos estudos de indução fase 3 da droga (10).

Todavia, o tempo para se detectar perda de eficácia após interrupção da dose de indução pode ser bem prolongado, conforme demonstrado na análise do subgrupo de 174 pacientes que foram randomizados para receberem placebo após término da fase de indução. Para pacientes com resposta clínica inicial, a falência terapêutica ocorreu após mediana de 135 dias após a descontinuação da droga (11).

 Por outro lado, pacientes que não apresentaram resposta clínica após as 8 semanas de indução (10 mg duas vezes ao dia), tinham a possibilidade de receber mais 8 semanas da dose de indução em um ensaio aberto. Nessa população, foi demonstrado que 50,7% dos pacientes apresentaram resposta clínica após 2 meses (respondedores tardios). Essa resposta foi duradoura por até 3 anos e os efeitos foram similares independente da exposição prévia a agentes anti-TNF. De forma interessante, a proporção de respondedores tardios que atingiram resposta clínica, cicatrização de mucosa e remissão após 12 meses foi similar a dos pacientes que responderam às 8 semanas de indução (12). Os dados favoráveis de indução de TOFA foram ainda reforçados em recente revisão sistemática que compilou os dados de um estudo fase 2 e dos dois estudos de indução (OCTAVE 1 e 2), confirmando a eficácia da droga na indução de resposta clínica, cicatrização de mucosa e melhora da qualidade de vida (13).

No estudo de manutenção (OCTAVE sustain trial), duas doses foram avaliadas, 10 mg duas vezes ao dia (n=197) e 5 mg duas vezes ao dia (n=198) e comparadas ao placebo (n=198) por 52 semanas em pacientes que completaram os estudos OCTAVE 1 ou 2 e obtiveram uma resposta clínica definida por queda no escore de Mayo total de pelo menos três pontos, acompanhados de queda no escore de sangramento retal de pelo menos um ponto ou um escore de sangramento retal absoluto de 0 ou 1. As taxas de remissão na semana 52 foram 34.3% e 40.6% nos grupos de 5 mg e 10 mg de TOFA, respectivamente, comparados com 11.1% no grupo placebo (P<0.001 para ambas as comparações com placebo) (88). Nos estudos de indução OCTAVE 1 e 2, os desfechos secundários de cicatrização de mucosa, definida como um escore endoscópico de Mayo ≤1, na semana 8, ocorreram mais frequentemente de forma significativa no grupo TOFA comparado ao grupo placebo (OCTAVE 1: 31.3% TOFA x 15.6% placebo; P<0.001). Mais uma vez, o tratamento prévio com antagonistas do TNF não pareceu influenciar nos resultados. No estudo OCTAVE de manutenção, as taxas de cicatrização de mucosa na semana 52 foram 37.4% e 45.7% nos grupos que receberam 5 mg e 10 mg de TOFA, respectivamente, versus 13.1% no grupo placebo (P<0.001 para ambas as comparações) (88). Estes achados enfatizam que pacientes com exposição prévia a agentes biológicos, principalmente anti-TNFs, ainda podem receber TOFA e experimentarem taxas de remissão clínica e cicatrização de mucosa em torno de 30%-45%.

Com relação aos eventos adversos, observou-se uma taxa numericamente maior de infecção por herpes zoster (usualmente menor que 1.5%) no grupo TOFA, no estudo de manutenção, principalmente com a dose mais alta (10 mg duas vezes ao dia). Nenhum caso de infecção por herpes zoster foi considerado sério ou resultou em descontinuação da droga (9). Ao longo dos três estudos, observou-se que os níveis de lipídios (i.e., colesterol total, LDL e HDL) aumentaram com a administração de TOFA (usualmente em menos de 30% dos pacientes) com plateau após 4 semanas (9). Outros eventos adversos relatados foram nasofaringite, artralgia e cefaleia (9). Recentemente, foram publicados dados de segurança de pacientes que receberam TOFA nos estudos de fase 2, 3 e de extensão de RCU que confirmaram que o perfil de segurança da droga foi similar ao relatado nos estudos de artrite reumatóide e em pacientes com RCU tratados com agentes biológicos, exceto pela maior incidência de infecção por herpes zoster (14,15).

Além dos dados dos estudos pivotais, recentemente foram publicados dados de eficácia e segurança do TOFA em um cenário de vida real (16,17). As taxas de resposta clínica na semana 8 e remissão clínica na semana 16 foram, respectivamente, 60,8% e 48,6%. A exposição prévia a agentes biológicos se associou a uma chance reduzida de resposta clínica e cicatrização de mucosa (16). O perfil de segurança no cenário de vida real foi semelhante ao observado em ensaios clínicos. Nenhum novo sinal de segurança foi detectado num periodo de acompanhamento com mediana de 75,5 dias. (17)

Apesar do pouco tempo de acompanhamento dos pacientes com RCU que fizeram uso de TOFA, o perfil de segurança da droga já está bem consolidado em pacientes com artrite reumatóide. Cohen et al relataram uma análise integrada da segurança do TOFA em dois estudos de Fase I, nove de Fase 2, seis de Fase 3 e dois estudos de extensão no programa de desenvolvimento de artrite reumatóide (n = 6194). Essa análise incluiu até 8,5 anos de exposição ao TOFA, totalizando 19.406 pacientes-ano de exposição. A análise das taxas de incidência de infecções graves e herpes zoster por intervalos de 6 meses não revelou nenhum aumento com maior duração da exposição ao tofacitinibe. A tuberculose foi relatada em 36 pacientes, a maioria dos casos (28/36) em regiões endêmicas (18).

Pelo fato de não ser um medicamento biológico, a droga não induz imunogenicidade e desta forma não induz a produção de anticorpo anti-droga que podem levar a uma perda de resposta progressiva ou limitar o retratamento bem sucedido após a interrupção do tratamento por qualquer motivo. No entanto, já foi demonstrado que, em pacientes com resposta prévia ao tofacitinibe, o retratamento com 10 mg duas vezes ao dia após um período de interrupção do tratamento foi eficaz e bem tolerado, com resposta clínica recuperada em aproximadamente três quartos dos pacientes até o segundo mês e geralmente mantida após 12 meses sem novos alertas quanto ao perfil de segurança (19).

Além disso, uma droga oral proporciona economia para o sistema de saúde/fontes pagadoras, tanto por apresentar menor custo de tratamento entre todos os medicamentos biológicos aprovados no mercado brasileiro quanto por não necessitar de gastos adicionais tanto no processo logístico (por ser sintético não necessita de cadeia fria para transporte e armazenamento) quanto para a administração, visto ser um medicamento oral em relação aos biológicos. Além disso, a posologia oral é uma característica atrativa também para os pacientes. Em um estudo publicado recentemente onde 200 pacientes com RCU foram entrevistados, foi demonstrado que há preferencia pela administração oral quando comparada às administrações subcutânea ou endovenosa (20). Também já foi demonstrado que a exposição ao TOFA nos estudos de indução e manutenção melhorou de forma significativa e duradoura a qualidade de vida dos pacientes quando comparados ao grupo placebo (21).

Diante de tudo exposto, esta sociedade se manifesta favoravelmente à inclusão de TOFA para o tratamento da RCU. A sugestão desta sociedade é de que a medicação possa ser prescrita no seguintes cenários clínicos:

  • pacientes com índice de atividade da doença igual ou maior a 6 pelo escore de Mayo (com subescore de endoscopia de pelo menos 2), refratários ao uso de corticoides, aminossalicilatos e imunomoduladores (tiopurinas ou metotrexato) por um período mínimo de três meses

Referências

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2. Teixeira FV, Vilela EG, Damião AOMC, Vieira A, Albuquerque IC, Parente JML et al. Rev Assoc Med Bras (1992). 2019 May 2;65(4):547-553. doi: 10.1590/1806-9282.65.4.547.

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