Abel Quaresma
Gilmara Pandolfo
Ornella Cassol
Paulo Kotze
Há evidências de que a utilização dos medicamentos biológicos, principalmente o Infliximabe (IFX) e o Adalimumabe (ADA) possam reduzir as taxas de cirurgias abdominais ligadas à Doença de Crohn (DC) ao longo do tempo.1
Aproximadamente 30 a 50% dos pacientes com DC, provavelmente estarão em uso de terapia biológica no momento da cirurgia. Já para os portadores de Retocolite ulcerativa crônica (RCU), aproximadamente 10% terão de ser submetidos à colectomia após 10 anos do diagnóstico.2
Até o momento, ainda existem controvérsias sobre um possível impacto do tratamento pré-operatório com biológicos antes de cirurgias nas doenças inflamatórias intestinais (DII).
- Inibidores do fator de necrose tumoral alfa (TNF) nas DII
1.1. Agentes Anti-TNF em DC
Diversos estudos retrospectivos foram publicados na literatura avaliando um possível impacto negativo dos anti-TNF nas complicações pós-operatórias na DC. Os estudos traziam conclusões diferentes, e significativa controvérsia existe sobre o tema.3,4
Lau et al. publicaram o primeiro estudo prospectivo analisando complicações pós-operatórias e uso prévio de infliximabe (IFX) com níveis séricos. Os autores mediram o nível sérico do IFX 7 dias antes da cirurgia, para correlacionar com as taxas de complicações. As complicações gerais pós-operatórias (OR 2,5, p=0,03) e infecciosas (OR 3,0, p=0,03) foram mais prevalentes nos pacientes com maior nível sérico da droga.4
No Brasil, Kotze et al concluíram não haver influência do uso prévio de agentes biológicos até 8 semanas antes do procedimento, nos índices de complicações cirúrgicas e clínicas pós-operatórias, achado compatível com a maioria dos estudos publicados.3
1.2. Agentes Anti TNF na RCU
A maioria dos dados da literatura é derivada de estudos com IFX, poucos estudos com outros agentes anti-TNFs são descritos.5,6
A associação entre os anti-TNF e complicacões cirúrgicas ainda é controversa e algumas questões necessitam ainda ser respondidas.
Atualmente recomenda-se a cirurgia em estágios para pacientes com RCU em doentes crônicos e pacientes com terapia medicamentosa de longa duração e estado nutricional comprometido, o que impacta positivamente a segurança dos procedimentos.
1.3. O que há de novo?
No Digestive Disease Week (DDW) 2019, foi apresentado um estudo prospectivo multicêntrico americano, ainda não publicado, entitulado PUCCINI TRIAL. Neste, pacientes com cirurgias intra-abdominais foram acompanhados prospectivamente em 17 centros. Em todos os pacientes expostos a agentes anti-TNF, níveis séricos de droga foram coletados. O estudo concluiu que o uso pré-operatório de anti-TNFs, determinado por história clínica ou níveis séricos, não foi um fator de risco independente para infecções pós-operatórias, portanto não deveria afetar a decisão cirúrgica na maioria dos pacientes com DII.7
Por outro lado, também este ano, Lin et al., publicaram metanálise que tinha como objetivo avaliar os efeitos da terapia pré-operatória dos anti-TNF no pós-operatório de pacientes com DC submetidos a cirurgia abdominal. Os autores concluíram que a exposição a agentes anti-TNF é um fator de risco independente para complicações infecciosas pós-operatórias em pacientes com DC, especialmente em países com alta incidência da doença.8
Assim, conclui-se que a literatura permanece em conflito no que diz respeito ao impacto dos agentes anti-TNF em complicações pós-operatórias nas DII. Recomenda-se decisão individualizada e discussão de casos em equipes multidisciplinares.
2. Vedolizumabe e complicações pós-operatórias
O Vedolizumabe (VDZ) demonstrou eficácia clínica no manejo clínico da RCU e DC. Em virtude do receptor integrina α4β7 ser encontrado apenas no endotélio intestinal, teoricamente este pode ter menos efeitos sistêmicos negativos, mas pode afetar a função dos linfócitos na cicatrização de feridas, pois bloqueia a migração de leucócitos para o intestino, que é o componente principal da cicatrização. Portanto, existe um risco teórico que o VDZ no pré-operatório poderia aumentar a morbidade pós-operatória.7
Lightner et al. compararam retrospectivamente o desfecho de 94 pacientes com DII, destes 22 com RCU e 71 com DC que receberam VDZ, com aqueles que receberam anti-TNF ou nenhuma terapia biológica no pré-operatório e encontraram taxas mais altas de infecções pós-operatórias no grupo que recebeu VDZ. 9
Outros estudos não mostraram um aumento das taxas de complicações pós-operatórias com o VDZ quando comparados aos usuários de anti-TNF ou aqueles que não receberam terapia biológica.10
De acordo com a revisão sistemática e metanálise, publicada por Yung et al, pacientes com DII tratados com VDZ não apresentaram risco significativamente, aumentado de complicações no pós-operatório quando comparados com pacientes não expostos à terapia biológica.<sup>11</sup>12
Portanto, até o momento, persiste a controvérsia sobre um possível impacto do VDZ no pós-operatório nas DII, e estudos mais detalhados prospectivos são aguardados.
3. Ustequinumabe (UST) e complicacões pós-operatórias
Um estudo multicêntrico retrospectivo analisou o desfecho pós-operatório em relação a infecções do sítio cirúrgico em pacientes que receberam terapia biológica 12 semanas antes da cirurgia, destes 44 pacientes tratados com UST foram comparados com 169 que estavam utilizando terapia anti-TNF. Os autores não encontraram nenhuma diferença estatística no desfecho. Desta forma, concluíram que o tratamento com UST, até 12 semanas da cirurgia, não parece aumentar o risco de infecções no pós-operatório. Um estudo de dois centros de referência canadense (Calgary e Edmonton), pela metodologia caso-controle, chegou às mesmas conclusões, não atribuindo impacto negativo do UST em complicacões pós-operatórias. Entretanto, um recente estudo da Mayo Clinic acenou que os pacientes com uso prévio de UST apresentariam maior risco de sepse abdominal em análise multivariada.13
Mensagens finais
A controvérsia com um possível impacto negativo de anticorpos monoclonais nas complicações pós-operatórias ainda existe. Assim, recomenda-se decisão individualizada da estratégia cirúrgica e de cobertura antibiótica em portadores de DII que passarão por operações abdominais.
Referências Bibliográficas
1. Eriksson C, Cao Y, Rundquist S, et al. Changes in medical management and colectomy rates: a population-based cohort study on the epidemiology and natural history of ulcerative colitis in Örebro, Sweden, 1963-2010. Aliment Pharmacol Ther. 2017. doi:10.1111/apt.14268
2. Hansen TM, Targownik LE, Karimuddin A, Leung Y. Management of Biological Therapy Before Elective Inflammatory Bowel Disease Surgeries. Inflamm Bowel Dis. 2019;XX(Xx):1–8. doi:10.1093/ibd/izz002
3. Kotze PG, Magro DO, Saab B, et al. Comparison of time until elective intestinal resection regarding previous anti-tumor necrosis factor exposure: a Brazilian study on patients with Crohn’s disease. Intest Res. 2018. doi:10.5217/ir.2018.16.1.62
4. Lau C, Dubinsky M, Melmed G, et al. The impact of preoperative serum anti-TNFα therapy levels on early postoperative outcomes in inflammatory bowel disease surgery. Ann Surg. 2015. doi:10.1097/SLA.0000000000000757
5. Ward ST, Mytton J, Henderson L, et al. Anti-TNF therapy is not associated with an increased risk of post-colectomy complications, a population-based study. Color Dis. 2018. doi:10.1111/codi.13937
6. Kulaylat AS, Kulaylat AN, Schaefer EW, et al. Association of preoperative anti-tumor necrosis factor therapy with adverse postoperative outcomes in patients undergoing abdominal surgery for ulcerative colitis. JAMA Surg. 2017. doi:10.1001/jamasurg.2017.1538
7. PUCCINI trial. http://ccfacra.org/?page_id=85. No Title.
8. Lin YS, Cheng SW, Wang YH, Chen KH, Fang CJ, Chen C. Systematic review with meta-analysis: risk of post-operative complications associated with pre-operative exposure to anti-tumour necrosis factor agents for Crohn’s disease. Aliment Pharmacol Ther. 2019. doi:10.1111/apt.15184
9. Lightner AL, Raffals LE, Mathis KL, et al. Postoperative Outcomes in Vedolizumab-Treated Patients Undergoing Abdominal Operations for Inflammatory Bowel Disease. J Crohns Colitis. 2016. doi:10.1093/ecco-jcc/jjw147
10. Park KT, Sceats L, Dehghan M, et al. Risk of post-operative surgical site infections after vedolizumab vs anti-tumour necrosis factor therapy: a propensity score matching analysis in inflammatory bowel disease. Aliment Pharmacol Ther. 2018;48(3):340–346. doi:10.1111/apt.14842
11. Yang ZP, Hong L, Wu Q, Wu KC, Fan DM. Preoperative infliximab use and postoperative complications in Crohn’s disease: A systematic review and meta-analysis. Int J Surg. 2014. doi:10.1016/j.ijsu.2013.12.015
12. Yung DE, Horesh N, Lightner AL, et al. Systematic review and meta-analysis: Vedolizumab and postoperative complications in inflammatory bowel disease. Inflamm Bowel Dis. 2018;24(11):2327–2338. doi:10.1093/IBD/IZY156
13. Kamel AY, Ayoub F, Banerjee D, et al. Effects of preoperative use of biologic agents on operative outcomes in Crohn⇔s disease patients. In: American Surgeon. ; 2018.