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As doenças inflamatórias intestinais (DII) são caracterizadas por inflamação crônica, de caráter progressivo e recidivante, que resultam de uma resposta imunológica inapropriada, em indivíduos geneticamente susceptíveis, englobando essencialmente duas formas de apresentação: a retocolite ulcerativa (RCU) e a doença de Crohn (DC).1,2
A DC caracteriza-se por uma inflamação transmural crônica no sistema digestório, que pode acometer da boca ao ânus de forma contínua ou salteada, com frequente comprometimento da região ileal ou ileocecal e com potencial de evoluir com complicações, como estenoses e fistulas2.
A avaliação da gravidade e prognóstico na fase inicial da DC é essencial para o desenvolvimento de um plano terapêutico adequado. Deve-se estadiar os pacientes já em sua apresentação inicial, buscando-se identificar fatores preditivos de um curso mais grave da doença; a saber: pacientes jovens no momento do diagnóstico, presença de fístulas perianais complexas, envolvimento extenso do intestino delgado e presença de lesões endoscópicas graves 3,4. Além disso, sabe-se que o diagnóstico precoce e o tratamento adequado da doença em sua fase inicial apresentam impacto importante no prognóstico e um maior potencial de modificar a sua história natural, evitando-se suas complicações.3–5
Para a escolha apropriada da melhor abordagem terapêutica na Doença de Crohn (DC) é necessário considerar o grau de atividade clínica e endoscópica da doença, localização, extensão, impacto na qualidade de vida, presença de manifestações extraintestinais ou complicações relacionadas à doença. Outros fatores essenciais na decisão sobre a terapia são: resposta prévia a algum tipo de tratamento, avaliação da eficácia dos fármacos disponíveis, seu perfil de segurança e potenciais efeitos adversos 2,6.
Os objetivos atuais do tratamento incluem não só o controle dos sintomas, mas, principalmente, o controle sustentado da inflamação, por meio da cicatrização da mucosa e prevenção de complicações (fístulas, abscessos, estenoses, dismotilidade, displasia) que, por sua vez, levam à hospitalização, cirurgia e prejuízo substancial à qualidade de vida 7–9.
Tradicionalmente, o arsenal farmacológico para o tratamento da DC inclui os derivados salicílicos (sulfassalazina, mesalazina), os imunossupressores (ex., azatioprina, 6-mercaptopurina, metotrexato), os corticosteroides (ex., prednisona, hidrocortisona, metilprednisolona, budesonida) e os antibióticos. Esse arsenal terapêutico, tido como “convencional”, não parece interferir na história natural da doença, apesar de melhorar a sintomatologia de muitos pacientes 9–11.
Nos últimos 20 anos, observamos uma verdadeira revolução no tratamento da DC, com a introdução dos medicamentos biológicos (anticorpos monoclonais) 12,13. O primeiro grupo de medicamentos biológicos foi constituído pelos bloqueadores do Fator de Necrose Tumoral (TNF). Os anti-TNFs atualmente disponíveis para tratamento da DC são o infliximabe, o adalimumabe e o certolizumabe. Posteriormente, o vedolizumabe também foi aprovado para o tratamento da DC moderada a grave. Entyvio® (vedolizumabe) é um medicamento biológico que atua de forma seletiva no intestino. Consiste em um anticorpo monoclonal humanizado (IgG1) antagonista do receptor de integrina α4β7, expressada preferencialmente em linfócitos T auxiliares de memória alojados no intestino. Sua seletividade foi desenvolvida visando evitar a ocorrência de EAS causados por outros antagonistas de receptor de integrina não seletivos. Este anticorpo atua basicamente inibindo a diapedese (migração dos leucócitos dos vasos sanguíneos para o tecido intestinal), reduzindo a atividade inflamatória local, atuando de forma seletiva, diferentemente dos Anti TNF que possuem ação sistêmica com as devidas repercussões e efeitos adversos vindos da mesma. Está indicado para o tratamento de pacientes com DC ativa moderada à grave, que tiveram uma resposta inadequada, perda de resposta ou que foram intolerantes à terapia convencional, isto é virgens (naives) de terapia biológica, e também nos casos de falha ao anti-TNF alfa. Outra indicação são para os pacientes que têm contraindicações tanto para terapias convencional, como para o Anti-TNF. 2,6.
Outra característica importante do vedolizumabe é a baixa taxa de imunogenicidade, isto é, a droga não faz com que o sistema imune produza anti–corpos contra a droga, sob o ponto de vista de eficácia, quando analisamos comparativamente com o ANTI TNF , isto significa que o paciente que respondeu ao vedolizumabe mantem-se em remissão por mais tempo que se estivesse usando o Anti TNF. Isto porque, a taxa de perda de resposta com o uso do Anti TNF é de aproximadamente 20 a 30% ano ano.6,15-18
Segundo recomendações das principais agências reguladoras, a saber, CADTH, NICE, PBAC e SMC, a terapia com vedolizumabe está indicado para pacientes com DC moderada a grava ativa e deve ser considerada para indução da remissão sintomática em pacientes com DC.
Os estudos pivotais que embasaram o registro de vedolizumabe pelas agencias reguladoras foram os estudos GEMINI II e GEMINI II 14. O estudo GEMINI II incluiu a coorte 1, com 368 pacientes com DC ativa (220 tratados com vedolizumabe, 148 com placebo) e uma coorte aberta (coorte 2) que incluiu 747 pacientes. Na semana 6 da terapia de indução, 14,5% dos pacientes recebendo vedolizumabe e 6,8% dos pacientes recebendo placebo na coorte 1 atingiram remissão clínica (p=0,02). Na coorte 2, 17,7% dos pacientes apresentaram remissão clínica e 34,4% apresentaram resposta clínica. As taxas de resposta e remissão clínica entre os pacientes virgens de biológicos foram 42,2% e 17,4% respectivamente. As taxas de remissão clínica na semana 52 foram 29,5% e 51,5% entre pacientes expostos e não expostos previamente aos agentes anti-TNF.
Diferente do estudo GEMINI II, o estudo GEMINI III busca apenas definir dados de indução da remissão, principalmente em pacientes com falha prévia aos anti-TNF. A população geral foi constituída por 209 pacientes tratados com vedolizumabe, dos quais 158 falharam previamente à terapia anti-TNF e 207 tratados com placebo, dos quais 157 com falha prévia ao anti-TNF. Nesta população de pacientes predominantemente refratários, a diferença nas taxas de remissão clínica na semana 6 não foi estatisticamente significativa entre aqueles recebendo vedolizumabe (15,2%) e placebo (12,1% [p=0,433]). No entanto, quando observamos os dados da semana 10 vemos diferenças significativas e favoráveis ao vedolizumabe frente ao placebo, com taxas de remissão clínica de 29% vs 13% no grupo placebo. Estes dados sugerem a importância de se analisar resultados alcançados na semana 10 para definição de resposta 15.
O estudo de Sands et al. (2017) acrescentou informações relevantes com relação à eficácia de vedolizumabe em pacientes expostos previamentes ao anti-TNF de acordo com o tipo de falência. Através de uma análise post-hoc dos ensaios GEMINI 2 e 3, observou-se que, entre os pacientes que responderam ao tratamento na fase indução com vedolizumabe, 48,9% daqueles do subgrupo não tratados anteriormente com anti-TNF e 27,7% do grupo previamente tratados com anti-TNF estavam em remissão clínica na semana 52 (versus 26,8% e 12,8% no grupo placebo, respectivamente). Quando se estratificou os resultados de remissão e resposta em 6 e 10 semanas dos pacientes pelo tipo de falha ao anti-TNF, observou-se que o subgrupo de pacientes com resposta inadequada ao tratamento (falha primária) apresentou resultado superior ao placebo já na semana 6 para ambos os desfechos 16.
Alguns estudos de vida real relatando a experiência do uso de vedolizumabe tem sido publicados. Um exemplo é o estudo de Engel et al. que avaliou a eficácia de vedolizumabe no cenário de vida real através de uma revisão sistemática e metanálise. Nove estudos, incluindo 1.565 (571 com retocolite ulcerativa, 994 com DC) pacientes adultos foram identificados. Na DC, resposta e remissão clínica foram alcançadas em 54% (intervalo de confiança de 95% [IC] 41-66%) e 22% (IC 95% 13–35%) na Semana 6 e em 49% (IC 95% 37–51%) e 32% (IC 95% 23–42%) na Semana 14. Na semana 52, 45% (IC 95% 28–64%) e 32% (IC 95% 12–62) dos pacientes apresentaram resposta e remissão clínica, respectivamente 17.
Apesar da paucidade de estudos comparativos diretos analisando a eficácia das terapias biológicas entre si, algumas metanálises mostram evidências indiretas de eficácia entre os diferentes biológicos. Entre elas, detaca-se a revisão sistemática seguida de metanálise de Mocko et al. que teve como objetivo de avaliar o uso de vedolizumabe em pacientes com doença de Crohn. Dois ensaios clínicos foram incluídos nas análises. A resposta clínica foi significativamente maior entre aqueles que receberam vedolizumabe, tanto na população geral (RR 1,48 [IC95% 1,18-1,85]) quanto nos dois subgrupos que avaliaram pacientes tratados (RR 1,51 [IC95% 1,12-2,02]) e não tratados anteriormente com anti-TNF (RR 1,41 [IC95% 1,14-1,74]). A remissão clínica na população geral também foi maior entre aqueles que receberam vedolizumabe (RR 1,77 [IC95% 1,21-2,59]) após seis semanas de tratamento. Esse resultado também foi observado no subgrupo de pacientes virgens de tratamento com anti-TNF. As metanálises de segurança (evento adverso – EA, EA grave, infecção grave) demonstraram que vedolizumabe foi tão seguro quanto o placebo na fase de indução 18.
Vale ressaltar que várias análises de econômicas já demonstraram que a terapia biológica é custo-efetiva para o tratamento da doença inflamatória intestinal. Permanece incerto se uma terapia é superior à outra em termos de custo-efetividade 19,20. Além disso, é sabido que o tratamento com medicamentos biológicos nitidamente foi um divisor de águas no tratamento das DII. Esse tratamento comprovadamente provou ser eficaz na mudança da história natural das doenças, cicatrizando a mucosa, impedindo evolução para formas graves e diminuindo índices de cirurgias 21.
Diante do exposto, observa-se que a terapia biológica com vedolizumabe mostrou-se segura e eficaz tanto em pacientes virgens de terapia biológica quanto em pacientes falhados à terapia com agentes anti-TNF, especialmente no cenário de não resposta primária. Desta forma, esta sociedade se manifesta favorável à incorporação desta terapia entre os medicamentos disponibilizados para pacientes com DC.
Referências
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